#04 - Terror e romance: dois lados da mesma moeda

Sobre esse negócio chamado amor e "Os fantasmas entre nós"

Eu sempre gostei de histórias de amor — percebi isso muito antes de compreender minha relação com o horror. Adoro acompanhar personagens tomando decisões difíceis, tendo que lidar com sentimentos que nem sempre entendem completamente. Amo os monstros e a destruição física causada por eles, mas nada me deixa mais fascinada do que os danos psicológicos que apenas o amor pode causar na vida dos personagens — como um monstro pode destruir outro personagem sem tocar em um fio de cabelo dele, mas sim em quem ele ama. Como, às vezes, o monstro é quem se ama.

Essa união de terror e romance como base indissociável de uma trama é chamada de terrormance, ou horror romântico, e essa categoria contempla algumas das minhas histórias de terror favoritas. Histórias que me deixam pensando por horas — dias, semanas, meses, anos — a fio, que mexem comigo pessoalmente e me formaram como escritora.

E, claro, esse é o tema da newsletter de hoje. Os fantasmas entre nós, meu livro, e também esse negócio chamado amor.

Oie! Antes de aprofundar no texto, deixa eu me apresentar 🔮

💀 Meu nome é Gih Alves, sou publicitária, escritora, medrosa e apaixonada por histórias de terror, seja na literatura ou no audiovisual. Adoro ler textos teóricos e acadêmicos sobre as coisas que amo, e essa newsletter é uma forma de organizar meus pensamentos e compartilhar um pouco das minhas opiniões sobre horror. Aqui você vai encontrar reflexões sobre o gênero, indicações de obras que eu gosto e sugestões de livros teóricos sobre o assunto.

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O terrormance

O horror lida, em primeira instância, com o desconforto. É um gênero que fala sobre coisas que incomodam, sobre temores incutidos na sociedade. Já o romance fala sobre amor. Tramas com um romance central, desenvolvimento dos personagens através do relacionamento e um final feliz (tem um ótimo texto da Isabelle Morais sobre isso!). Essas duas descrições podem fazer as pessoas acreditarem que romance e horror são gêneros opostos — afinal, enquanto o romance garante um final feliz, o horror muitas vezes termina em tragédia. Ainda assim, os dois gêneros podem andar de mãos dadas, criando vínculos entre si e guiando os personagens por enredos assustadores, tortuosos e com um gostinho de felicidade. Ou algo assim.

Há uma frase atribuída a David Foster Wallace que diz: “toda história de amor é uma história de fantasma”. Por um tempo, tentei decifrá-la — como é possível que toda história de amor seja uma história de fantasma? Depois de muito pensar, de todas as histórias que já li e assisti, cheguei à conclusão de que, se não todas as histórias de amor são histórias de fantasmas, ao menos de horror romântico são sim. O monstro a ser enfrentado nem sempre é literalmente um fantasma — afinal, o horror é capaz de produzir uma gama infinita e variada de monstros e vilões —, mas o medo da perda é uma constante. Apesar de todas as juras de amor, de fazer “tudo certo”, o monstro pode surgir e acabar com um relacionamento.

O monstro pode destruir o mundo inteiro, e essa destruição pode causar um mal ainda pior: acabar com o mundo particular de uma pessoa, porque a perda nem sempre é para a morte, mas às vezes para si mesmo — como lidar quando a pessoa que você ama está se tornando um monstro?

Mas será que uma pessoa deveria ser o mundo de outra? Isso é amor? A dependência, o temor, viver em uma corda bamba, com medo da perda?

cena de A Maldição da Residência Hill. O personagens Hugh e Olivia estãoabraçados, sorrindo um para o outro..

Hugh e Olivia, A maldição da residência Hill

Mike Flanagan parece ter pensado em respostas para meus questionamentos. Ele é criador, entre outras coisas, da antologia A maldição, que conta com as séries A maldição da residência Hill (2018) e A maldição da mansão Bly (2020), ambas com propriedades assombradas e alguns atores em comum. A primeira, inspirada em A maldição da casa da colina (1959), de Shirley Jackson, conta a história da família Crain, que sobrevive ao trauma da morte de Olivia, a mãe, anos antes, e agora precisa lidar com o aparente suicídio de Nell, a irmã mais nova. Ao retornarem para a casa da infância onde tudo deu errado, os irmãos Shirley, Steven, Theo e Luke enfrentam fantasmas metafóricos e literais, enquanto Hugh, o pai, precisa se perdoar pelas escolhas do passado para poder retornar à Olivia. Aqui, o amor romântico está entremeado ao familiar, à forma como os irmãos lidam um com o outro e reagem ao luto. É mais suave e menos óbvio, talvez, mas o romance está ali, na sustentação de tudo, na culpa de Hugh, no novo relacionamento de Theo, nos conflitos a serem resolvidos entre Shirley e seu marido, e entre Steven e sua esposa.

A maldição da mansão Bly chega colocando o pé na porta e declarando, desde o início, que é obviamente uma história de amor. A temporada é inspirada em A volta do parafuso (1898) e outros contos de Henry James, e é contada em um longo flashback: a convidada de um jantar pré-casamento diz que tem uma história de fantasmas para contar. A partir daí, acompanhamos a história de Dani Clayton (Victoria Pedretti). Após uns meses morando na Inglaterra, Dani consegue um trabalho no interior do país, como tutora de dois irmãos cujos pais morreram há alguns anos e a última tutora se suicidou na propriedade. Na mansão Bly ela conhece Miles e Flora, as crianças, e os demais funcionários Hannah, Owen e Jamie — esta última com quem Dani vive um romance.

Logo no início, fica claro que Dani é assombrada: o fantasma da heterossexualidade compulsória aparece, em diversas cenas, na forma do ex-noivo recém falecido. E a mansão, claro, também é repleta de fantasmas, todos presos ali pelo vórtice de rancor e amor da primeira moradora da mansão. Em todos os momentos, é o amor que leva A maldição da mansão Bly para frente, e os personagens conversam sobre os diferentes tipos de amor, ou de como, às vezes, as pessoas confundem esse sentimento com posse. Mas a mensagem que fica é dada pela narradora da história (que descobrimos, lá no final, se tratar de Jamie): “Amar verdadeiramente uma pessoa é aceitar que a dedicação em amá-la vale a dor de perdê-la”.

E vamos perder, ou ser perdidos, em algum momento, no fim das contas, não é? O horror vem para escancarar, entre outros, aquele medo que ronda a sociedade ocidental: a morte. E o terrormance coloca em perspectiva o que pode acontecer quando se ama muito alguém e essa pessoa é ameaçada — às vezes, por um monstro, às vezes, pela vida.

E tudo bem, eu acho, porque amar alguém de verdade faz valer a pena a dor de uma possível perda.

Os fantasmas entre nós

Gostar de histórias de amor me levou a escrever histórias de amor. Romances trágicos, doloridos, mas com finais felizes. Relacionamentos complicados, uma faca no pescoço aqui, uma ameaça ali, o fim do mundo acolá.

Uma amizade balançada porque sentimentos românticos são confusos e lidar com eles pode ser mais difícil do que enfrentar assombrações. Esse foi o pontapé inicial de Os fantasmas entre nós, meu romance de terror que vem aí em novembro (e já está em pré-venda!).

Capa do meu livro, Os Fantasmas Entre Nós. A capa do livro imita vidro quebrado. Na parte superior, ilustração de uma mulher jovem e negra, por trás do vidro quebrado. Seu rosto fica levemente distorcido. Ela olha para cima, com semblante sério. Na parte inferior, uma mulher jovem. Seu rosto também está por trás do vidro quebrado. Ela usa óculos de grau e olha para o lado. No centro da capa, o vidro quebrado forma um coração. No centro do coração, o título. No canto superior direito, o meu nome, Gih Alves.

Já que estamos falando sobre amor, deixa eu dizer o quanto estou apaixonada por essa capa feita pela Amanda Miranda

A história acompanha Manuela e Isadora, que já foram muito próximas, do tipo que brigavam uma pela outra, se fosse preciso. Mas algo acontece entre elas, e agora faz meses que as duas não se falam. Não foi uma briga propriamente dita — apenas o silêncio acompanhado de desconforto sempre que estavam perto uma da outra. Isso já seria difícil de lidar numa situação normal, mas claro que não é uma situação normal: Manu e Isadora estudam na Universidade Agnes Dantas, uma instituição sobrenatural… e assombrada. Fantasmas percorrem os corredores, gemem pelas paredes e atrapalham as aulas. Além disso, todo ano morrem dois alunos da Agnes Dantas.

Quando a ladainha de sempre dos espíritos dá lugar a ataques direcionados e as garotas se tornam alvo dos fantasmas, elas precisam (é claro) trabalhar juntas. E para entender por que os espíritos estão perseguindo as duas e tentar evitar se tornarem as próximas vítimas da universidade, Manu e Isa precisam resolver a situação entre elas.

No primeiro episódio de A maldição da residência Hill, Steven, o irmão que não acredita em fantasmas, mas escreve livros muito famosos sobre o assunto, apresenta seu ponto de vista sobre essas criaturas: “Um fantasma pode ser muitas coisas. Uma memória, um sonho, um segredo… Luto, raiva, culpa. Mas, na minha experiência, quase sempre eles são apenas o que nós queremos ver.”

Gosto de como o Steven pensa, e usei essa linha de raciocínio enquanto editava o livro. Essa e Coração mal assombrado, da Marília Mendonça, que conversa bastante com a história (e é simplesmente um dos maiores atos da música brasileira).

Os fantasmas entre nós é uma história de assombrações — vultos assustando alunos, perturbando os estudos, tirando o sono das protagonistas. E também é uma história de amor — confuso, difícil de compreender, quase impossível de comunicar, mas é o que leva o enredo para frente e desenvolve tanto as protagonistas quanto os outros personagens. É sobre o que acontece quando se ouve o tempo todo que o amor que você tem para dar não é o suficiente, e também sobre quem ama um pouco demais e não sabe a hora de parar.

É também uma história que me acompanha há mais de cinco anos. Começou como ideia para um conto, se tornou uma novela e, por fim, um romance. A primeira publicação aconteceu em 2021 pela editora Noveletter, com o título de Coração mal-assombrado, em formato seriado, um capítulo por semana. Agora, o livro retorna com um novo título, nova capa, em formato físico (mas tem ebook, para quem preferir!), publicado pela editora Seguinte, mas com os mesmos questionamentos: como superar os fantasmas de um relacionamento que nunca aconteceu? Como lidar com o fato de que talvez a pessoa que você ama não te ama do mesmo jeito? Ou que talvez você apenas não saiba amar alguém como é esperado?

Essas dúvidas estão comigo há bem mais tempo do que o enredo dessa história. É parte do meu fascínio por histórias de amor e de terror — porque, afinal, o amor romântico pode ser assustador. Não apenas pelo número absurdo de “crimes passionais”, parceiros que ameaçam se matar na iminência de um término ou a possessividade de alguém, mas pelas coisas mais sutis, e mais difíceis de entender: o que é esse tal de amor, no fim das contas?!

E além disso tudo, Os fantasmas entre nós também é sobre pressão acadêmica, falta de ética na universidade, professores que largam todo o trabalho em cima dos monitores, a Loira do Banheiro e gays (termo guarda-chuva) criminosos. E eu me diverti escrevendo cada página, cada lista de mortos ou notícias sobre novos alunos assassinados dentro da Agnes Dantas, esse lugar sombrio, escuro e empoeirado, que não liga muito para a vida dos alunos e exige uma média 8 para aprová-los.

E tem uma capa tão bonita! Amanda Miranda arrasou demais.

O livro será lançado em novembro, mas já está em pré-venda (e comprando agora, você pode pagar apenas em novembro mesmo, quando a Amazon enviar). Espero que goste das duas Tontas (apelido carinhoso, juro), dos fantasmas e dos mistérios acontecendo dentro da Universidade Agnes Dantas.

Referências

Compras realizadas através de links indicados podem gerar comissão; você não paga nada a mais, mas eu ganho algo! Essa edição da Outro Pesadelo foi revisada por Natália Pinheiro.

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